“Jesualdo não contava com este Benfica”
Toni foi o último treinador português campeão no Benfica. Dezasseis anos depois, acredita que Jorge Jesus vai imitar o seu exemplo, porque, diz, construiu uma equipa que foi capaz de surpreender o FC Porto e o seu antigo adjunto
Toni - O que está a acontecer é o corolário daquilo que o Benfica tem feito nesta época. O clube foi buscar jogadores de qualidade, que juntou ao núcleo-duro que já havia.
- E contratou Jorge Jesus...
- ... É um treinador que conhece bem o futebol português, trabalha muito bem, e a nove jornadas do final da Liga já pode ter afastado um concorrente directo [FC Porto]. Neste momento, o Benfica tem o caminho mais desbravado. Mas ainda resta um competidor que estava fora das previsões de toda a gente, o Sporting de Braga.
- O FC Porto está mais fraco ou os líderes da Liga mais fortes?
- Benfica e Braga furaram todas as previsões e foi a qualidade do jogo que demonstraram que afastou o Porto e o Sporting da luta pelo título. O Porto, por exemplo, tinha mais pontos na época passada por esta altura. Houve uma melhoria substancial do Benfica, e também do Braga, que se intrometeu nesta luta.
- Pode dizer-se já que os ‘dragões’ estão fora da corrida?
- Considerar uma equipa tetra-campeã fora da corrida a nove jornadas do fim seria um erro. Contudo, este Porto não é tão forte como os anteriores. Jesualdo fez um trabalho fantástico desde que chegou ao clube, refundiu a equipa em duas épocas consecutivas, mas ele não contava com um Benfica tão forte. Voltou a perder jogadores nucleares como Lisandro López e Lucho González. Desta vez, porém, não conseguiu refazer a equipa com a mesma qualidade.
- Depois de Toni, em 1993/04, nenhum treinador português voltou a ser campeão pelo Benfica. Que análise é que faz a esse facto?
- As pessoas só dão importância a isso porque houve um espaço temporal muito dilatado. O_Benfica ganhou o Campeonato com o Trapattoni e, para mim, ganhar com um treinador português ou estrangeiro proporciona a mesma alegria. Fico contente se for um português e não me importo que seja um estrangeiro.
- No caso deste Benfica, há mais mérito do treinador ou dos ‘desequilibradores’ como Di María ou Saviola?
- Quando as coisas saem como queremos é fruto de um trabalho colectivo. Estamos a nove jogos do fim, ainda não há campeão, o que há é um Benfica forte e um Braga com menos recursos mas que está a fazer um grande campeonato. Há a qualidade do treinador, dos jogadores e de toda a estrutura que suporta o futebol. _A trilogia presidente, director desportivo e treinador tem funcionado muito bem.
- Que opinião tinha de Jorge Jesus antes de assumir o comando do Benfica?
- A carreira de Jorge Jesus faz-me lembrar a de Jesualdo Ferreira, que passou a ser mais reconhecido pelo trabalho feito em Braga, embora já tivesse obra feita. Jesus já tinha feito bom trabalho no Felgueiras, Setúbal e Belenenses, e quando se tem qualidade só falta a oportunidade de treinar um ‘grande’.
- Ao contrário da equipa que levou à conquista do título, esta é quase só constituída por estrangeiros. É preocupante?
- Qual é o problema? Presentemente olha-se para equipas como o Chelsea ou o Real Madrid e o panorama é o mesmo. Penso, isso sim, que deve haver uma observação cuidada de jovens futebolistas portugueses, tê-los debaixo de olho. Se não for possível, que se faça uma boa detecção e observação de jogadores, como aconteceu neste ano.
- Na pele de comentador desportivo, continua a sofrer com o Benfica?
- Tive uma ligação de 34 anos com o clube, vivi aí momentos de muita felicidade e sofri com os momentos menos bons. O Benfica faz parte da minha vida, e a História não pode ser apagada.
- É verdade que o seu dia mais feliz aconteceu com a goleada no José Alvalade por 6-3?
- Guardo muitas recordações. Esse jogo foi especial, porque ficou na história dos dérbis. Por ter sido em casa do rival, a três jornadas do fim, _e por ter aberto as portas do título, foi o que mais me marcou.
- Que diz da ‘ressurreição’ do Sporting?
- Não fiquei surpreendido, pois na projecção que fiz sobre a Liga previ as dificuldades do Sporting. A equipa teve um início periclitante, com alguma turbulência. Agora melhorou, porque voltou a ter o melhor Izmailov, o melhor Liedson, mais Pedro Mendes e João Pereira.
- O_adversário directo do Benfica na luta pelo título resume-se então ao Braga?
- Sempre disse que o Braga não corria por fora. Chegou aonde chegou pela qualidade do seu futebol, foi caminhando, e está aí. Está a fazer uma campanha que vai ficar na história do clube.
- Se for campeão, o Benfica pode pôr fim à hegemonia do FC Porto?
- O clube passou muitos anos sem ganhar e o sucesso desta época pode passar uma mensagem de confiança aos adeptos, sustentada na qualidade do futebol e nas palavras empolgantes do treinador. Poderá ser, efectivamente, um bom princípio.
PERFIL
António José Conceição Oliveira, mais conhecido por Toni, nasceu em 14 de Outubro de 1946 (63 anos) e é natural de Mogofores. Jogou como médio durante 13 épocas ao serviço do Benfica, tendo feito _395 jogos e marcado 24 golos.
Conquistou 12 títulos pelo Benfica – 8 campeonatos e 4 Taças de Portugal –, foi internacional por Portugal 33 vezes (1 golo). No papel de técnico principal, conquistou dois campeonatos (1988/89 e 1993/94) e uma Taça de Portugal (92/93) pelo Benfica.